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Educação

Prestes a concluir sua graduação em Serviço Social, Vanda lembra do seu avô, que plantou a semente dos estudos com ela há décadas.

Prestes a concluir sua graduação em Serviço Social, Vanda lembra do seu avô, que plantou a semente dos estudos com ela há décadas. Foto: Daniel dos Santos

Foto: Daniel dos Santos Prestes a concluir sua graduação em Serviço Social, Vanda lembra do seu avô, que plantou a semente dos estudos com ela há décadas. Prestes a concluir sua graduação em Serviço Social, Vanda lembra do seu avô, que plantou a semente dos estudos com ela há décadas.

A presença de povos indígenas no Câmpus de Miracema é tão forte que o nome de uma de suas unidades foi batizado como Warã, palavra em língua akwe, do povo Xerente. Os estudantes estão distribuídos nos quatro cursos ofertados: Educação Física, Pedagogia, Psicologia e Serviço Social.

O Câmpus de Miracema tem proporcionalmente a maior presença dos povos indígenas da UFT. São 131 estudantes indígenas atualmente. Isso representa mais de 33% dos indígenas vinculados à instituição. Um dos motivos para que isso ocorra é que o município de Miracema está localizado próximo ao território do povo Xerente, no município vizinho de Tocantínia. E é de lá onde começa a história da estudante de Serviço Social, Vanda Sibakadi Gomes da Silva Xerente.

Esta matéria dá sequência à série de perfis biográficos sobre personagens de cada câmpus da UFT.  

Nascida na aldeia Cachoeirinha, no município de Tocantínia, a vida de Vanda é movida a desafios. O desafio atual está próximo de ser concluído. Ainda neste semestre, Vanda defende seu Trabalho de Conclusão de Curso para ter seu diploma de graduação em Serviço Social aos 57 anos de idade.

Vanda foi criada pelos avós paternos na aldeia. “Meu avô era cacique da aldeia. Não tinha estudo, mas queria muito que eu estudasse e me mandou para a cidade com 11 anos para estudar. Perdi meus avós nesse período. E eles eram meu apoio. A partir daí foi um desafio para mim. Terminei meus estudos com o segundo grau profissionalizante em Técnico de Enfermagem”.

E a menina xerente foi desafiar o mundo. Destino: estava indo para Brasília. Neste país lugar melhor não há? “Imagine: mulher, do então norte de Goiás e indígena. Mas foi um sucesso! Consegui trabalhar no Hospital das Forças Armadas por 13 anos e tive minha família”. Após 15 anos acostumada com a agitação de Brasília, Vanda só retornou após a sua separação do ex-marido, mas agora com três filhos. E foi outro desafio. Porque o primeiro serviço foi de volta à aldeia, que nem luz não tinha. Atualmente, ela trabalha no Hospital Regional de Miracema e produz artesanatos feitos com capim dourado.

Aos 50 anos de idade, Vanda prestou vestibular para a UFT e passou em Enfermagem. “Mas eu não tinha como largar meu serviço em Miracema para fazer o curso em Palmas. Então preferi Serviço Social que eu conseguiria conciliar sem sair de Miracema.

Prestes a concluir sua graduação em Serviço Social, Vanda lembra do seu avô, que plantou a semente dos estudos com ela há décadas. “Eu queria que ele estivesse vivo hoje. Eu sei que uma parte da minha história depende do meu avô. Ele queria que eu estudasse. E quando eu fui para Brasília, ou eu estudava ou eu trabalhava. Então tive de trabalhar. Somente agora em 2017, mais de 30 anos fora do colégio, é que prestei o vestibular”.

“Me achei no Serviço Social”

Preocupada em ajudar as pessoas que enfrentam desafios como os que ela precisou enfrentar durante a sua vida, Vanda diz que se achou no curso de Serviço Social. “Faço parte dos movimentos de mulheres indígenas do Brasil e do movimento Terra Livre. A minha vontade é que os estudantes indígenas, que eu chamo de meninos, tenham a determinação de fazer a faculdade. A gente tem uma dificuldade de acolhimento. Os professores precisam entender que os indígenas chegam tímidos aqui na Universidade. Temos culturas e línguas diferentes. Principalmente, nos casos dos jovens que vêm direto da aldeia, existe uma dificuldade grande em se adaptar".

Outra questão levantada por Vanda é a importância das mulheres indígenas buscarem sua independência. E ela acredita que a faculdade é um caminho. “A cultura Xerente ainda é muito patriarcal. Acham que a mulher tem de depender do homem por toda a vida. Hoje as mulheres indígenas estão quebrando essa barreira. Por isso tenho incentivado elas a estudar. Eu fico muito animada com essas meninas, que têm a metade da minha idade, e eu vejo que elas têm o interesse em estudar. Isso me motiva e me fortalece para enfrentar as dificuldades”.

Vanda diz que uma das coisas que aprendeu no curso de Serviço Social foi sobre a violência e entendeu coisas que já havia se passado com ela. “Muitas vezes, nós, mulheres, não sabemos o que é a violência. Existem as violências doméstica, psicológica, patrimonial, sexual... O curso abriu a minha mente sobre isso. Por isso que levo esse recado para as mulheres indígenas dando informação. Por exemplo: o que é a violência psicológica? Quando um marido te coloca para baixo. Às vezes a gente não sabe. Eu mesma passei por isso. Meu ex-marido falava que ninguém iria me querer com três filhos. Sendo que eu trabalhava e mantinha a casa. Também havia a violência patrimonial. Eu tinha um carro no meu nome, mas quem usufruía era ele. Hoje eu tenho outra mentalidade. Não vou me permitir viver dominada de novo. É isso que eu levo quando vou a debates e palestras para mulheres”.

A mãezona

Vanda tem quatro filhos. Um deles está estudando Educação Física também no Câmpus de Miracema. Entre os indígenas do Câmpus, ela é vista como uma mãezona não só pelo seu filho, mas por toda a comunidade indígena.

O estudante de pedagogia, Vanderlei Calixto Xerente, conta como a Vanda é admirada por apoiar os outros estudantes indígenas. “Ela é uma pessoa importante aqui dentro da universidade. Importante por causa da idade dela, por causa do conhecimento que ela tem e por causa da luta dela, reivindicando demandas junto a universidade. Conheci a Vanda há pouco tempo, mas de longe já via o esforço dela como uma mulher que buscava melhorias para a comunidade. Ao longo do tempo fui me aproximando mais dela, e acabei me tornando um amigo. Hoje, a gente busca juntos coisas melhores para os acadêmicos indígenas aqui dentro da universidade, buscando melhorar a forma de como os alunos devem estar aqui.

Ainda segundo Vanderlei, não são raras as vezes em que algum estudante indígena está pensando em desistir do curso e Vanda intervém para apoiar. “Acontece sempre. Ela sempre vem estimulando as pessoas que estão ali, principalmente nós indígenas, nos grupos de WhatsApp, sempre passando aquela mensagem de força, de fortalecimento para as pessoas, principalmente quando se trata em questão de luta, para a gente buscar mais, para a gente lutar pelos nossos direitos”.

Vanda aponta que as cotas são importantes instrumentos de políticas públicas para o ingresso do indígena na Universidade, mas as políticas de permanência são tão importantes quanto. “Não é só colocar o indígena aqui dentro. Precisa de moradia, alimentação, auxílio pedagógico. E se hoje a gente tem esse direito, isso é fruto de lutas dos povos indígenas”.

Uma das demandas em que Vanda participou da reivindicação foi atendida recentemente pela UFT, que foi a inauguração da Casa do Estudante em Miracema.

Outro evento com envolvimento de Vanda foi e promovido pelos próprios estudantes indígenas ocorreu neste mês para valorizar suas culturas e reafirmar os indígenas como parte da UFT.

(Foto: Daniel dos Santos)

Preocupação ambiental

A vida dos povos tradicionais é muito ligada ao território. E esse é o assunto que permeia o TCC de Vanda ao analisar o trabalho de brigadistas indígenas do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), do qual ela já fez parte como uma das primeiras mulheres indígenas brigadistas. “O povo Xerente já trabalha com a preservação há muito tempo com o plantio de árvores. O clima da aldeia é completamente diferente da cidade. Por que isso? Por causa das árvores e do rio. Em Tocantínia, a gente tá arrodeado de grandes projetos agrícolas. Se a gente não preservar o nosso território, praticamente nós estamos destruídos”.

Dados

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De acordo com os dados do IBGE, obtidos por meio do Censo 2022, a população indígena no Brasil inteiro passa de 1,6 milhão de pessoas. No Tocantins, são 20 mil indígenas pertencentes às seguintes etnias: Karajá, Xambioá, Javaé (que forma o povo Iny), Xerente, Apinajè, Krahô, Krahô-Kanela, Avá-Canoeiro (Cara Preta) e Pankararu.

Você sabia que a Universidade Federal do Tocantins (UFT) foi a primeira a implantar cotas para estimular o ingresso da população indígena? Isso ocorre desde 2005. Segundo dados da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), de lá para cá, já são 183 pessoas indígenas com diploma de graduação pela UFT nos cinco câmpus. Atualmente, a UFT tem 391 estudantes indígenas vinculados à graduação. (UFT)

(Foto: Daniel dos Santos)